Desfazendo “mitos” eleitoreiros
José Lisboa Moreira de Oliveira
Filósofo, teólogo, escritor e
professor
Mais uma vez nos encontramos em
período eleitoral. E nesta época sempre aparecem os “mitos”, uma vez que os
brasileiros costumam discutir política não com a razão, mas com a emoção, com a
mesma paixão que discutem futebol nos botequins das esquinas. Neste período,
assim como acontece na discussão sobre futebol, aparecem 200 milhões de
“cientistas políticos”, cada um pretendendo arrogantemente entender de política
mais do que os outros.
Não se trata de não colocar paixão
na reflexão de um tema que permeia toda a vida da nação e afeta cada um de nós
brasileiros. Como já dizia o poeta e dramaturgo alemão, Bertold Brecht, tudo em nossa vida depende da política:
a comida, o transporte, a educação, a saúde, a roupa, o calçado etc. etc. Que
bom seria que em todos os espaços, em todos os lugares, em todos os ambientes se
discutisse com muita seriedade o tema da política. Mas a questão está
exatamente na forma como discutimos. De um modo geral fazemos isso sem
consciência crítica, sem discernimento e sem nem mesmo saber do que estamos
falando. Vamos muito pelo que diz a grande mídia, envolvida e totalmente
comprometida com a elite e a burguesia brasileira, as quais querem manter seus
privilégios às custas do sacrifício da maioria da população brasileira. Para
defender os interesses dos poderosos, a grande mídia, geralmente controlada por
eles, inventa e divulga alguns “mitos” que terminam confundindo a cabeça do
eleitor desavisado, levando a acreditar e a votar exatamente em quem ele nunca
deveria crer e votar. Vejamos agora alguns dos “mitos” inventados pela nossa
mídia.
O primeiro deles é passar a
impressão de que um candidato “ficha limpa” é um anjo, alguém sem nenhum defeito, sem nenhuma mácula. Ora, isso,
além de ser falso, é irreal. Há milênios as grande culturas e as grandes
experiências religiosas detectaram que “todo homem é mentiroso, todo homem”.
Não há, pois, candidatos genuinamente puros, totalmente revestidos de uma
lisura ímpar. Quem ainda acredita nisso é um iludido, é um idiota que não se dá
conta da realidade concreta do ser humano. Como já diziam os grandes filósofos
gregos, em cada um de nós habita pelo menos um anjo e um demônio. Pensar que há
alguém desprovido de seu lado demoníaco é pura idiotice. O que resta fazer,
então? É procurar pessoas, candidatos equilibrados, ou seja, pessoas nas quais
o lado demoníaco não prevaleça. E como isso dá trabalho e as pessoas se recusam
a fazer como Zaratustra, o personagem de Nietsche, saindo pelas ruas com uma
tocha acesa, em pleno dia claro, à procura desses candidatos equilibrados,
terminam por aderir e votar nos que aparentam ser totalmente anjos. Aliás, uma
das artimanhas dos demônios é exatamente criar a ilusão de que eles são anjos
puríssimos. E com o marketing em alta, isso é possível ser feito sem maiores
problemas.
Um segundo “mito”, também criado intencionalmente pela mídia “golpista”,
é pensar e acreditar que “todo político é igual”, que “todos os partidos
políticos são iguais”. E isso não só é falso como é profundamente enganador. No
Brasil existem partidos políticos cujos programas estão totalmente voltados
para os interesses das elites brasileiras. O passado destes partidos, as
figuras que os compõem hoje, representam o que há de mais nojento na política brasileira. Pode-se dizer, sem medo de errar,
que esses partidos hoje são bem representados pelo PSDB, pelo DEM e pelos
partidos nanicos que gravitam em torno deles e a eles são subservientes. Todo
eleitor crítico, consciente, ciente não vota nestes partidos. Mas há ainda bons
partidos e bons políticos, cujos programas são sérios e bem significativos para
o país. Mas devido ao assédio da mídia corrupta estes partidos e essas pessoas
terminam permanecendo na penumbra ou sendo totalmente ignorados.
Outro “mito” que afeta a política
brasileira é pensar que a solução de todos os problemas do país passa pela
eleição do poder executivo. Assim, se
elegermos o presidente da República, o governador do Estado e o prefeito do
município, todas as questões serão resolvidas num toque de mágica. Esse mito
está tão impregnado em nossa cultura política que, neste período eleitoral, se
fazem somente debates públicos com os
candidatos ao executivo. Deixamos de lado e não nos importamos com a eleição
dos membros do poder legislativo. Estes, porém, são aqueles que fazem as leis e
porque não há debate sério sobre eles, as pessoas terminam votando em elementos
não comprometidos com o bem público. Basta dar uma olhada na atual bancada da
Câmara e do Senado para perceber que a maioria dos que lá estão não poderia e
nem deveria ter sido eleita.
Recentemente as elites, com o apoio
da mídia a elas subservientes, criaram outro “mito”: o de que o Partido dos Trabalhadores (PT) é o único
partido corrupto do Brasil. Tiveram a ajuda de um Judiciário parcial, que
usando métodos questionados por eminentes juristas, tudo fizeram para massacrar
algumas figuras do PT. Não se defende aqui a inocência dos membros do PT que
foram acusados e condenados. O que se questiona é o fato de que a mídia e o
Judiciário não tenham usado da mesma severidade
com outros partidos e outros políticos. Por que, por exemplo, não puniram com o
mesmo rigor o PSDB, envolvido até o pescoço na lama da privataria tucana e no escândalo
do metrô de São Paulo, cujas empresas ligadas ao dito escândalo continuam
descaradamente patrocinando as campanhas dos candidatos suspeitos? Por que os
políticos da “Caixa de Pandora” do Distrito Federal, pegos repartindo polpudas propinas,
continuam impunes até agora? Alguns deles inclusive concorrendo, no momento, a
cargos políticos ou obrigados a renunciar por serem “fichas sujas”, mais porcos
do que “pau de galinheiro”. Percebe-se, então, que tudo não passou de uma armadilha,
com o objetivo explícito de desviar a atenção dos verdadeiros corruptos. O
próprio Ministério Público, por exemplo, não quis “cortar na própria carne”.
Deixou impune até agora um dos seus membros, o ex-senador Demóstenes Torres,
moleque de recado do bandido Carlinhos Cachoeira no Senado. Não se pode
acreditar na seriedade de um poder judiciário que prende “ladrões de galinha” e
deixa solto este tipo bandido de alta periculosidade para o povo, para a nação
e para o país. Este tipo de judiciário já perdeu por completo a sua
credibilidade juntos às pessoas sérias, dotadas de cérebro pensante e que
raciocinam com espírito crítico.
Por fim um outro mito: a do messianismo político, ou seja, da figura
do salvador da pátria. De repente, no cenário político, surge alguém com ideias
mirabolantes, com a história de única alternativa possível, teatralizando, como
sendo a salvação da pátria. E boa parte dos brasileiros fica encantada com o
discurso bonito, com o espetáculo teatral bem montado, e se deixa enganar. Não
percebe que se trata de alguém que não traz nenhuma novidade concreta. Pegou
carona com outros partidos, aproveitou-se do espaço que lhe foi dado,
comportou-se de maneira desleal com os seus aliados de outrora, e, de repente, se
apresenta como a grande alternativa. Mas basta prestar atenção para se ver que,
na prática, não há nada de novo. Mesmo porque os grandes problemas da nação não
se resolvem nos palanques e com palavrórios bonitos dos programas políticos.
Portanto, se queremos votar bem
temos que desfazer todos esses “mitos”,
refletir com seriedade, usando a razão e não apenas a emoção. Há candidatos
sérios, comprometidos com o bem comum. Temos que nos dar ao trabalho de
procurá-los e de encontrá-los. Temos que recusar veementemente os “clichês”
fabricados pela grande mídia. Temos que nos reunir para conversar, deixando de
lado paixões desenfreadas, guiando-nos pela lógica, pela objetividade e pela
racionalidade. Do contrário seremos apenas marionetes e terminaremos por votar
em quem nunca deveríamos votar. Mas para fazer tudo isso temos que agir com humildade, escutando os outros,
aprendendo com os outros e com a história e até abrindo mão de visões
deturpadas, parciais, que até então carregávamos conosco. Convém jamais
esquecer de que, na prática, a teoria é
outra, especialmente na política. Quem chega com ideias mirabolantes, com
chavões ultrapassados, fazendo teatro para chamar a atenção sobre si,
prometendo resolver tudo num toque de mágica, é um mentiroso, um falso
político, um hipócrita. Este sujeito não merece a confiança do eleitor sério e
honesto.