Mídia
com nariz de palhaço
José
Lisboa Moreira de Oliveira
Filósofo,
teólogo, escritor e professor universitário
Ao
narrar os acontecimentos ocorridos em Paris (França) no dia 7 de janeiro de
2015, a grande mídia brasileira apresentou-os como verdadeiros atentados contra
a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa. Fez sempre referência aos
mesmos como atos terroristas, como verdadeira barbárie, como violação da
democracia e do estado democrático de direito. Porém, em nenhum momento, essa
mesma mídia se dispôs a colocar em debate estes conceitos tão ferrenhamente
defendidos. Em nenhum momento quis debater com a sociedade o significado da
liberdade de expressão e da liberdade de imprensa. Não quis se perguntar, por
exemplo, se nos países ocidentais, ideologicamente neoliberalistas, há, de
fato, liberdade de expressão e liberdade de imprensa.
Em nenhum momento essa
mídia levantou a suspeita de que em certos países, como a França e o Brasil,
existem situações e práticas cultivadas por ela mesma que são verdadeiros
atentados contra a democracia, o estado de direito, a liberdade de expressão e
a liberdade de imprensa. Ela não quis mostrar para o seu público que atentados
terroristas contra a liberdade de expressão são cometidos diariamente por uma mídia golpista, e que não é preciso
esperar que aconteçam atos extremistas como aqueles cometidos em Paris.
No Brasil, por exemplo,
não existe liberdade de expressão e
liberdade de imprensa na grande mídia. Para explicar melhor o que acabei de
dizer, vamos entender o significado dessa duas expressões. Creio que não seja
necessário explicar o significado do termo “liberdade”. Todos, até mesmo
pessoas mais simples, sabem o que isso significa. Quanto ao termo “expressão”,
esse deriva do prefixo latino ex e do
verbo, também latino, premere. O
prefixo “ex” tem a ver com retirar, sair de, libertar de. O verbo latino
“premere” indica uma situação de pressão, uma ação através da qual se oprime,
se comprime, se força e se obriga. Logo, a liberdade de expressão é o direito à existência sem pressão, ou,
mais concretamente, o direito de posicionar-se, de emitir opiniões, de falar
sem ser pressionado, sem ser impedido e sem ser interrompido por ninguém. Já a
liberdade de imprensa é a liberdade de expressão atribuída aos meios de comunicação.
Feitos os
esclarecimentos sobre o significado dos termos, volto a dizer: na grande mídia,
pelo menos no Brasil, não existe liberdade de expressão e nem liberdade de
imprensa. Quando os meios de comunicação e os seus funcionários pregam esses
direitos, como o fizeram depois do dia 7 de janeiro deste ano, eles estão
blefando, estão mentindo, estão usando nariz de palhaço. Estão usando um
discurso falso e enganando aqueles e aquelas que são analfabetos funcionais.
Mas tal discurso não é aceito por quem tem consciência crítica, por quem tem um
cérebro funcionando dentro da normalidade. E vou explicar porque penso assim.
Não se pode falar de
liberdade de expressão e de liberdade de imprensa, quando, no caso do Brasil,
toda a grande mídia (redes televisivas, rádios, jornais, revistas etc.) é controlada por algumas pouquíssimas
famílias. Pesquisas realizadas indicam que apenas nove grupos de famílias
controlam as grandes empresas de comunicação no Brasil. Embora constitucionalmente
seja uma concessão pública, isto é,
um bem que pertence à nação, ao povo, a grande mídia no Brasil é propriedade privada
exclusiva de algumas famílias e à qual o povo não tem nenhum acesso. Pelo menos
em nosso país, não existe nenhum mecanismo legal que permita, de fato, um
controle democrático da grande mídia por parte da sociedade brasileira. Os
donos dos meios de comunicação fazem o que querem, impõem programações ou
grades de programação para seus veículos e emissoras, sem se importar com os
direitos dos cidadãos e das cidadãs. São absolutamente contra qualquer
interferência da sociedade e se recusam obstinadamente a aceitar formas de
participação do povo na gestão dos meios de comunicação. Não aceitam, por
exemplo, a existência de um Conselho Nacional de Comunicação, um organismo com
representação dos diversos segmentos da sociedade, com autoridade para, pelos
menos, sugerir pautas e programações para a grande mídia. Por isso, quando essa
mídia faz um discurso obstinado de defesa da liberdade de expressão e da
liberdade de imprensa ela está mentindo, está faltando com a ética e está tratando
o povo como uma massa de idiotas.
No caso do Brasil, a
grande mídia, além de se concentrar nas mãos de poucas famílias ricas e
poderosas, ela defende apenas os
interesses da elite, dos poderosos, dos mais ricos e dos exploradores do
povo. E, para defender tais interesses, mente, omite informações, deforma a
comunicação, numa total falta de ética e de humanidade. Além de não permitir o
acesso do povo, essa mídia, sistematicamente, persegue aqueles grupos e
entidades que ameaçam tais interesses. Exemplo típico desse comportamento é a
atitude persecutória da grande mídia brasileira ao Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST). Isso porque há uma cumplicidade entre latifundiários
(grandes fazendeiros) e a grande mídia. Normalmente os poucos donos da grande
mídia no Brasil são também os poucos donos das terras em nosso país e vice-versa.
Outro agravante que
comprova a falta de liberdade de expressão e de liberdade de imprensa na grande
mídia brasileira é o oligopólio nas
comunicações. Embora a lei brasileira não permita, um mesmo grupo detém, na
prática, o controle de vários veículos de comunicação. Assim, por exemplo, as
Organizações Globo, pertencente a uma única família, são donas de rede
televisiva, de rádios, de jornais, de revistas, de empresa cinematográfica, de
televisão a cabo etc. etc. O conjunto de veículos midiáticos controlados pela
família Marinho é superior a dois terços do total. Isso é um verdadeiro absurdo
e um claro atentado à liberdade de expressão e de imprensa. Por essa razão, as
pessoas dotadas de senso crítico e de espírito democrático não aceitam tal
absurdo e percebem a falsidade do discurso demagógico dessa gente.
Junte-se a isso o fato
de que as grandes empresas de comunicação no Brasil visam ao lucro exorbitante e não aos objetivos
propostos pela Constituição Federal. Num contexto como esse, a defesa da
liberdade de expressão e de imprensa apregoadas por essa gente não passa de uma
grande piada de mau gosto. É uma verdadeira ofensa ao povo brasileiro.
Além de tudo isso, os jornalistas, e demais profissionais
funcionários das grandes empresas de comunicação, não gozam de liberdade de
expressão e nem de liberdade de imprensa. Eles são meros empregados e só podem
dizer ou falar aquilo que é permitido por seus patrões. Não passam de simples “papagaios”,
obrigados a repetir na mídia aquilo que os patrões determinam e impõem. Eles
não compõem a pauta e a programação dos veículos de comunicação. Essas são
determinadas pelos donos das empresas e eles são obrigados a cumprirem à risca
aquilo que os patrões determinam. São os patrões que dizem o que pode ou não
pode ser dito, a forma como as notícias devem ser veiculadas e assim por
diante. Por esse motivo os jornalistas que ousam serem criativos e autônomos
são sumariamente repreendidos e até demitidos. Há inclusive o caso de jornalistas
que foram demitidos enquanto estavam no ar, ao vivo, só porque ousaram
apresentar notícias e fatos que desagradaram a seus patrões. Por isso, vejo
estes jornalistas com nariz de palhaço quando falam enfaticamente de liberdade
de expressão e de liberdade de imprensa. São uns meros idiotas subservientes,
escravos da ditadura imposta pelos donos da mídia.
Com isso não estou
fazendo apologia e nem concordando com a atitude dos extremistas que invadiram a
sede de um jornal chargista em Paris, matando e ferindo várias pessoas. Atitudes
como estas devem ser severamente condenadas. Aliás, deve-se questionar
seriamente a razão pela qual os serviços secretos franceses, que tinham
informações precisas sobre os sujeitos, permitiram que isso acontecesse.
O que estou querendo
condenar firmemente é a hipocrisia da
grande mídia, também essa terrorista e golpista. É claro que o terrorismo
praticado pela grande mídia é um terrorismo camuflado, com aparência de
legalidade, que destrói vidas, persegue quem pensa e age diferente e não
permite que a verdade sobre os fatos seja revelada. Temos centenas de exemplos
de casos de pessoas e instituições que foram sistematicamente execradas pela
grande mídia. Tiveram suas vidas expostas ao ridículo. Famílias inteiras foram
destruídas. Será que já esquecemos o caso da Escola Base de São Paulo? Um terrorismo
midiático que não dá amplo direito de resposta, ou, quando é forçada a dar
espaço a quem foi por ela lesado, tal espaço se reduz a notinhas ridículas e a
pedidos formais de desculpas. Para mim isso é ato terrorista em nada menos
grave do que aqueles cometidos pelos extremistas franceses. Portanto, é hora de
nos rebelarmos e de desmascarar essa mídia golpista que usa um discurso
democrático de fachada para enganar e emburrecer
cada vez mais o povo brasileiro. É hora de desmascarar essa mídia com nariz de
palhaço.