quarta-feira, 14 de janeiro de 2015

Mídia brasileira


Mídia com nariz de palhaço

José Lisboa Moreira de Oliveira
Filósofo, teólogo, escritor e professor universitário

            Ao narrar os acontecimentos ocorridos em Paris (França) no dia 7 de janeiro de 2015, a grande mídia brasileira apresentou-os como verdadeiros atentados contra a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa. Fez sempre referência aos mesmos como atos terroristas, como verdadeira barbárie, como violação da democracia e do estado democrático de direito. Porém, em nenhum momento, essa mesma mídia se dispôs a colocar em debate estes conceitos tão ferrenhamente defendidos. Em nenhum momento quis debater com a sociedade o significado da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa. Não quis se perguntar, por exemplo, se nos países ocidentais, ideologicamente neoliberalistas, há, de fato, liberdade de expressão e liberdade de imprensa.

Em nenhum momento essa mídia levantou a suspeita de que em certos países, como a França e o Brasil, existem situações e práticas cultivadas por ela mesma que são verdadeiros atentados contra a democracia, o estado de direito, a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa. Ela não quis mostrar para o seu público que atentados terroristas contra a liberdade de expressão são cometidos diariamente por uma mídia golpista, e que não é preciso esperar que aconteçam atos extremistas como aqueles cometidos em Paris.

No Brasil, por exemplo, não existe liberdade de expressão e liberdade de imprensa na grande mídia. Para explicar melhor o que acabei de dizer, vamos entender o significado dessa duas expressões. Creio que não seja necessário explicar o significado do termo “liberdade”. Todos, até mesmo pessoas mais simples, sabem o que isso significa. Quanto ao termo “expressão”, esse deriva do prefixo latino ex e do verbo, também latino, premere. O prefixo “ex” tem a ver com retirar, sair de, libertar de. O verbo latino “premere” indica uma situação de pressão, uma ação através da qual se oprime, se comprime, se força e se obriga. Logo, a liberdade de expressão é o direito à existência sem pressão, ou, mais concretamente, o direito de posicionar-se, de emitir opiniões, de falar sem ser pressionado, sem ser impedido e sem ser interrompido por ninguém. Já a liberdade de imprensa é a liberdade de expressão atribuída aos meios de comunicação.

Feitos os esclarecimentos sobre o significado dos termos, volto a dizer: na grande mídia, pelo menos no Brasil, não existe liberdade de expressão e nem liberdade de imprensa. Quando os meios de comunicação e os seus funcionários pregam esses direitos, como o fizeram depois do dia 7 de janeiro deste ano, eles estão blefando, estão mentindo, estão usando nariz de palhaço. Estão usando um discurso falso e enganando aqueles e aquelas que são analfabetos funcionais. Mas tal discurso não é aceito por quem tem consciência crítica, por quem tem um cérebro funcionando dentro da normalidade. E vou explicar porque penso assim.

Não se pode falar de liberdade de expressão e de liberdade de imprensa, quando, no caso do Brasil, toda a grande mídia (redes televisivas, rádios, jornais, revistas etc.) é controlada por algumas pouquíssimas famílias. Pesquisas realizadas indicam que apenas nove grupos de famílias controlam as grandes empresas de comunicação no Brasil. Embora constitucionalmente seja uma concessão pública, isto é, um bem que pertence à nação, ao povo, a grande mídia no Brasil é propriedade privada exclusiva de algumas famílias e à qual o povo não tem nenhum acesso. Pelo menos em nosso país, não existe nenhum mecanismo legal que permita, de fato, um controle democrático da grande mídia por parte da sociedade brasileira. Os donos dos meios de comunicação fazem o que querem, impõem programações ou grades de programação para seus veículos e emissoras, sem se importar com os direitos dos cidadãos e das cidadãs. São absolutamente contra qualquer interferência da sociedade e se recusam obstinadamente a aceitar formas de participação do povo na gestão dos meios de comunicação. Não aceitam, por exemplo, a existência de um Conselho Nacional de Comunicação, um organismo com representação dos diversos segmentos da sociedade, com autoridade para, pelos menos, sugerir pautas e programações para a grande mídia. Por isso, quando essa mídia faz um discurso obstinado de defesa da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa ela está mentindo, está faltando com a ética e está tratando o povo como uma massa de idiotas.

No caso do Brasil, a grande mídia, além de se concentrar nas mãos de poucas famílias ricas e poderosas, ela defende apenas os interesses da elite, dos poderosos, dos mais ricos e dos exploradores do povo. E, para defender tais interesses, mente, omite informações, deforma a comunicação, numa total falta de ética e de humanidade. Além de não permitir o acesso do povo, essa mídia, sistematicamente, persegue aqueles grupos e entidades que ameaçam tais interesses. Exemplo típico desse comportamento é a atitude persecutória da grande mídia brasileira ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Isso porque há uma cumplicidade entre latifundiários (grandes fazendeiros) e a grande mídia. Normalmente os poucos donos da grande mídia no Brasil são também os poucos donos das terras em nosso país e vice-versa.

Outro agravante que comprova a falta de liberdade de expressão e de liberdade de imprensa na grande mídia brasileira é o oligopólio nas comunicações. Embora a lei brasileira não permita, um mesmo grupo detém, na prática, o controle de vários veículos de comunicação. Assim, por exemplo, as Organizações Globo, pertencente a uma única família, são donas de rede televisiva, de rádios, de jornais, de revistas, de empresa cinematográfica, de televisão a cabo etc. etc. O conjunto de veículos midiáticos controlados pela família Marinho é superior a dois terços do total. Isso é um verdadeiro absurdo e um claro atentado à liberdade de expressão e de imprensa. Por essa razão, as pessoas dotadas de senso crítico e de espírito democrático não aceitam tal absurdo e percebem a falsidade do discurso demagógico dessa gente.

Junte-se a isso o fato de que as grandes empresas de comunicação no Brasil visam ao lucro exorbitante e não aos objetivos propostos pela Constituição Federal. Num contexto como esse, a defesa da liberdade de expressão e de imprensa apregoadas por essa gente não passa de uma grande piada de mau gosto. É uma verdadeira ofensa ao povo brasileiro.

Além de tudo isso, os jornalistas, e demais profissionais funcionários das grandes empresas de comunicação, não gozam de liberdade de expressão e nem de liberdade de imprensa. Eles são meros empregados e só podem dizer ou falar aquilo que é permitido por seus patrões. Não passam de simples “papagaios”, obrigados a repetir na mídia aquilo que os patrões determinam e impõem. Eles não compõem a pauta e a programação dos veículos de comunicação. Essas são determinadas pelos donos das empresas e eles são obrigados a cumprirem à risca aquilo que os patrões determinam. São os patrões que dizem o que pode ou não pode ser dito, a forma como as notícias devem ser veiculadas e assim por diante. Por esse motivo os jornalistas que ousam serem criativos e autônomos são sumariamente repreendidos e até demitidos. Há inclusive o caso de jornalistas que foram demitidos enquanto estavam no ar, ao vivo, só porque ousaram apresentar notícias e fatos que desagradaram a seus patrões. Por isso, vejo estes jornalistas com nariz de palhaço quando falam enfaticamente de liberdade de expressão e de liberdade de imprensa. São uns meros idiotas subservientes, escravos da ditadura imposta pelos donos da mídia.

Com isso não estou fazendo apologia e nem concordando com a atitude dos extremistas que invadiram a sede de um jornal chargista em Paris, matando e ferindo várias pessoas. Atitudes como estas devem ser severamente condenadas. Aliás, deve-se questionar seriamente a razão pela qual os serviços secretos franceses, que tinham informações precisas sobre os sujeitos, permitiram que isso acontecesse.

O que estou querendo condenar firmemente é a hipocrisia da grande mídia, também essa terrorista e golpista. É claro que o terrorismo praticado pela grande mídia é um terrorismo camuflado, com aparência de legalidade, que destrói vidas, persegue quem pensa e age diferente e não permite que a verdade sobre os fatos seja revelada. Temos centenas de exemplos de casos de pessoas e instituições que foram sistematicamente execradas pela grande mídia. Tiveram suas vidas expostas ao ridículo. Famílias inteiras foram destruídas. Será que já esquecemos o caso da Escola Base de São Paulo? Um terrorismo midiático que não dá amplo direito de resposta, ou, quando é forçada a dar espaço a quem foi por ela lesado, tal espaço se reduz a notinhas ridículas e a pedidos formais de desculpas. Para mim isso é ato terrorista em nada menos grave do que aqueles cometidos pelos extremistas franceses. Portanto, é hora de nos rebelarmos e de desmascarar essa mídia golpista que usa um discurso democrático de fachada para enganar e emburrecer cada vez mais o povo brasileiro. É hora de desmascarar essa mídia com nariz de palhaço.