Bolsonaro: ícone do brutal machismo brasileiro
José Lisboa Moreira de Oliveira
Filósofo, teólogo, escritor e
professor universitário
As brasileiras e os brasileiros, que
ainda não perderam a lucidez e o senso ético, recentemente ficaram chocados e
indignados com um pronunciamento do deputado federal fluminense Jair Bolsonaro,
o qual da tribuna da Câmara ofendeu uma colega deputada, insinuando o desejo de
estuprá-la, embora “ela não merecesse”. Com isso o deputado, já conhecido pelo
seu destempero, pela sua apologia a ditaduras e a ditadores, pela sua falta de
ética, pelo seu espírito fascista e nazista, ofendeu todas as mulheres
brasileiras e fez apologia ao crime de estupro.
O comportamento antiético, imoral e
nazista do deputado Bolsonaro causou, como disse antes, indignação entre
aquelas pessoas sérias e éticas, embora não se possa esperar outra coisa de
alguém como ele. Porém, é preciso dizer com toda sinceridade que o seu comportamento,
típico de bandido, reflete nada mais e nada menos que o machismo que caracteriza a maioria absoluta dos homens do nosso
país. Os dados a respeito da violência contra a mulher no Brasil, e que estão à
nossa disposição em muitos sites oficiais e sérios, são alarmantes. Cerca de
77% das mulheres maltratadas afirmam terem sido violentadas ou agredidas
semanalmente ou até diariamente. A violência, geralmente, é praticada por
homens a elas ligados: parceiros, maridos, parentes e até filhos. Boa parte
delas são assassinadas. Entre 1980 e 2010 foram assassinadas 92 mil mulheres no
Brasil, de modo que se pode falar, sem medo de errar, de um verdadeiro feminicídio.
O machismo do brasileiro se
manifesta também de outras formas. Na atitude arrogante de querer “tirar
satisfação”, de “não levar desaforo para casa”, de humilhar os outros,
principalmente aqueles que dependem de nós, de não aceitar a perda ou a
derrota, como aconteceu recentemente com o senador Aécio Neves, que não queria
admitir a sua derrota para uma mulher.
Trata-se, pois, de um elemento cultural. De norte a sul e de leste a
oeste de nosso país os homens, de um modo geral, são machistas. É claro que,
quando consultados, a quase totalidades deles têm um discurso liberal e se
opõem à violência contra a mulher. Mas, na prática, a teoria é outra. A maioria
absoluta deles enxergam a mulher apenas como objeto deles. A mulher é objeto de cama e mesa e uma serviçal que
deve realizar todas as tarefas e todos os caprichos deles.
Existem, inclusive, homens cujo discurso político parece
revolucionário, mas na hora de se relacionar com a mulher extravasam todo o seu
machismo e a sua agressividade. Para tais “revolucionários” a mulher deve ficar
em casa realizando tarefas domésticas, lavando roupas e pratos, limpando casa,
preparando para eles as refeições e cuidando dos filhos. Ao chegarem em casa,
querem encontrar tudo pronto e à disposição deles. Sentam-se majestosamente no
sofá de casa para tomar uma “cervejinha”, ver televisão, enquanto a mulher
prepara tudo para eles. São incapazes, por exemplo, de ajudar nas tarefas
domésticas, como preparar as refeições, trocar uma fralda, lavar os pratos ou
arrumar uma mesa.
Há, ainda, a violência contra a mulher, praticada em nome de
Deus e da religião. Muitos, ingenuamente ou idiotamente, pensam que a violência
religiosa contra a mulher só existe nos países islâmicos. Isso é pura
ignorância. O Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI), que tem sede em São
Leopoldo (RS), realizou recentemente uma pesquisa, já publicada em forma de
livro, sobre o assunto. E, por incrível que pareça, a pesquisa constatou um
número altíssimo de violências praticadas contra a mulher com motivação
meramente religiosa.
Homens de diferentes Igrejas cristãs, fazendo uma leitura
literal e fundamentalista de certos textos da Bíblia, consideram normal a
agressão à mulher que não quer ser “submissa”. Para eles a Bíblia ensina que a
mulher deve sujeitar-se ao homem e aquelas que não se submetem deve ser
punidas. É claro que, como disse antes, trata-se de uma leitura enviesada e
fundamentalista da Bíblia. Quem estuda seriamente os textos sagrados do
judaísmo e do cristianismo sabe que isso não é verdade. Porém, o fato é real e,
considerando que quase 90% dos brasileiros declaram-se adeptos do cristianismo,
pode-se deduzir que boa parte dos agressores, senão a totalidade, é formada por
homens cristãos. O que é grave e muito sério para uma religião que tem como
essência o amor ao próximo.
Lamentavelmente boa parte das próprias mulheres introjetou
esse machismo e chega a achar normal a agressão praticada por homens. Pode
parecer algo paradoxal. Mas é o que vemos diariamente nos comportamento de
muitas delas, aceitando passivamente a ação dos homens e submetendo-se
resignadamente aos que eles praticam. Vejo, por exemplo, pouca ação e reação
das mulheres diante do que a grande mídia e a propaganda fazem com elas. Embora
sejam maioria no país, as mulheres não votam em mulheres. O próprio Bolsonaro
deve ter sido eleito graças ao voto de muitas mulheres. Após o seu
pronunciamento infame, feito da tribuna da Câmara, ele foi defendido
publicamente por uma jornalista, já conhecida de todos nós por seus comentários
racistas, homofóbicos, machistas e preconceituosos. Eu mesmo tenho tido
dificuldades em minhas aulas universitárias para convencer as acadêmicas acerca
do machismo do brasileiro e da exploração à qual a mulher é submetida
diariamente nos programas televisivos e nas propagandas. Elas acham isso
normal!
Ora, se o problema é cultural, só pode ser resolvido através
de ações que mudem o comportamento cultural. E a ação que resume todas as
outras é a educação. Mas, neste
campo, os desafios são muitos, pois as instituições que podem e devem fazer
isso estão todas em crise. A família
não consegue mais dar orientações sérias aos filhos, e, com a presença de pais
machistas, isso é quase impossível. Os políticos,
na sua grande parte conservadores e machistas, se omitem e silenciam. Foi
revoltante acompanhar os nossos parlamentares por ocasião do pronunciamento de
Bolsonaro. Excetuando-se as parlamentares mulheres e alguns outros deputados e
senadores, a omissão e o silêncio foi total. E, diz o adágio popular, “quem
cala, consente”.
Na grande mídia,
golpista por natureza, o silêncio foi amplo e total. Essa mídia que vive atrás
de escândalos, que vive obcecada por corrupção, não trouxe para a pauta a
corrupção escandalosa de Bolsonaro. Houve maior discussão apenas na mídia
pública e nas mídias alternativas. Nas escolas
se repercute a cultura machista, de modo que os meninos praticamente não recebem
nenhuma orientação sobre isso. Nas Igrejas certamente o clima deve ser o mesmo,
pois, salvas algumas poucas exceções, elas são machistas por vocação e, em
pleno século XXI, ainda excluem as mulheres das instâncias de poder e de
decisão.
Porém, diante de tão grave escândalo, diante da atitude descabida,
antiética e imoral do deputado Bolsonaro, é hora de acordarmos, pois ele representa o que há de mais infame, sujo e
nojento nas sociedades e nas culturas brasileiras. É hora de nos indignarmos e
partirmos para ações concretas que contribuam para uma educação séria e que
ajudem a eliminar comportamentos desvairados, desrespeitosos e desumanos como
esse que presenciamos recentemente. Não podemos permanecer indiferentes e
alheios a atos dessa natureza. Precisamos nos indignar, protestar e realizar
pequenas ações que quebrem a arrogância e a intolerância, a agressão, o
machismo e a violência contra as mulheres e contra todas as pessoas indefesas
de nossa sociedade. Não podemos mais esperar. Se insistirmos em esperar será
tarde demais e num breve espaço de tempo essa violência estará atingindo as
nossas famílias e as nossas pessoas. Aliás, Bolsonaro, ao agir de forma tão
truculenta, já agrediu a todas as mulheres brasileiras. Consequentemente,
agrediu a todos nós.
É preciso, como dizia Paulo Freire a mais de quarenta anos
atrás, desmistificar a realidade, ou
seja, enxergar o que está acontecendo e agir, não ficando de braços cruzados. É
preciso contribuir para a educação das pessoas. “Uma das grandes tarefas da
educação libertadora é convidar as massas a tornarem-se utópicas, isto é,
denunciantes” (Paulo Freire). E denunciar não é apenas apontar o que está
acontecendo, mas construir um novo idealismo,
ou seja, propor um novo modo de ser e de agir para a humanidade, uma nova forma
de presença “que me convida a fazer a
história que é minha, que é a história dos homens” (Paulo Freire).
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