Quando o diálogo é impossível
Filósofo,
teólogo, escritor e professor universitário
Nos
últimos dias tem se falado muito em diálogo,
especialmente nos meios políticos. Sem dúvida alguma o diálogo é fundamental
para a convivência pacífica entre as pessoas e os grupos humanos. Sem diálogo
não conseguimos caminhar na direção de uma meta que, indo além dos interesses
pessoais e corporativos, aponte o bem comum, ou seja, o bem de todos os
cidadãos e de todas as cidadãs.
A
palavra “diálogo” vem do grego, e literalmente significa “por meio da (dia) palavra (logos)”. Dialogar, portanto, significa buscar o entendimento da
realidade através da emissão de palavras, ou seja, através da conversa. Duas ou
mais pessoas se encontram e tentam entender o mundo, e o que está acontecendo
nele, através da atitude de conversar, através da expressão de opiniões e de
ideias.
Porém,
para que haja verdadeiro diálogo é indispensável que, antes dele e durante a
sua realização, sejam respeitados alguns pressupostos
fundamentais. O primeiro desse pressuposto é a existência de sujeitos autônomos e verdadeiramente livres.
Não pode existir diálogo autêntico entre pessoas subjugadas e escravas, que não
possuem opinião própria e o suficiente conhecimento para formar uma opinião.
Essa falta de liberdade e de autonomia pode ser provocada, hoje, por diversos
fatores. Talvez o mais forte deles seja a influência da grande mídia, a qual
não educa para a autonomia e a liberdade, mas, com suas estratégias
maquiavélicas, condiciona as pessoas. Produto dessa lavagem cerebral midiática
é a “cultura consumista” que leva a pessoa, em nome da satisfação imediata dos
desejos, a se submeter a muitas formas de escravidão. O consumidor obsessivo e
voraz não está em condições de dialogar.
Um
segundo pressuposto é a atitude de buscar
juntos a verdade, em vista da justiça e do bem comum. Não pode haver
diálogo se os que querem dialogar, conversar, não estão motivados por esse
princípio. É impossível dialogar quando alguém mente, segue a mentira, e busca,
na conversa, vantagens pessoais egoístas. Um desafio para o momento atual, uma
vez que se disseminou entre nós a mentira e o espírito de competição. Um
terceiro pressuposto para o diálogo é aquilo que eu chamo de escuta amorosa do outro ou da outra.
Para dialogar é preciso que os dialogantes estejam desarmados, sem preconceito,
dispostos a acolher com humildade e simplicidade aquela parte de verdade que
está presente na fala da outra pessoa. Se alguém parte do princípio de que está
sempre com a razão e de que a verdade está sempre do seu lado, o diálogo
torna-se impossível.
A
partir disso pode-se colocar um quarto pressuposto. É preciso levar a sério o que a outra pessoa diz.
Não há como dialogar quando alguém não leva a sério a fala do outro, quando
alguém despreza o que ele diz, ou até mesmo ridiculariza suas opiniões e suas
palavras. No diálogo é preciso sempre acreditar na palavra da outra pessoa,
independentemente do que ela é e do que ela diz. Essa atitude abre caminho para
um quinto pressuposto: disponibilidade para rever
os próprios pontos de vista, as próprias convicções, a partir da busca em
comum da verdade, da escuta amorosa e da seriedade com a qual se ouve a outra
pessoa. O diálogo torna-se impossível e infecundo quando um dos dialogantes não
está disposto a mudar seus pontos de vista, a partir do que escuta e a partir
da descoberta de novas verdades que aparecem no diálogo.
Por
fim, um último pressuposto para o diálogo é a busca da lógica e da racionalidade.
Não há como dialogar quando se foge desse princípio, quando não se quer
submeter o próprio pensamento e a própria conversa às exigências do rigor da
lógica e da razão. Trata-se, é claro, não de um racionalismo estúpido, que
despreza a espontaneidade e a naturalidade do diálogo, mas daquele
comportamento que se recusa a reconhecer o óbvio e o real. Aquela conversa
alimentada por fantasias, por ilusões, por fugas da realidade e do mundo real. Quando
a conversa deixa de ser terrena, concreta, e se desloca para “as nuvens”, ela
deixa de ser diálogo, torna-se delírio.
Do
que foi dito pode-se deduzir que o diálogo se torna impossível quando se fazem
presentes três elementos. O primeiro
deles é a arrogância ideológica. De
forma consciente e propositada a pessoa se coloca no âmbito do diálogo como
aquele que detém a verdade absoluta e a razão total. E faz isso por uma questão
ideológica, ou seja, porque está convencida não tanto de que o que ela pensa é
verdade absoluta, mas porque o simples ato de dialogar já significaria ceder;
significaria minar as bases dos seus privilégios e dos privilégios do grupo ao
qual pertence. Para o arrogante, escutar e, pior ainda, ceder são sinônimos de
fraqueza.
O
segundo elemento que impede a realização de um diálogo autêntico é a ignorância, isto é, a falta de
conhecimento suficiente de uma determinada realidade. Muitas pessoas são
intransigentes e bloqueiam o diálogo porque não são detentoras do saber. Não só
o saber científico, mas a sabedoria ou sabor da vida, a experiência do viver.
Algumas pessoas não são culpadas de serem ignorantes. A vida e a sociedade lhes
negaram o direito de saber, o direito de conhecer. Outras, porém, são
ignorantes porque, mesmo tendo a oportunidade de conhecer, se recusam a
adquirir aquela sabedoria necessária à vida. E se recusam porque o conhecimento
comporta necessariamente a obrigação de mudar de vida, de posição e de opinião.
Por isso preferem permanecer na ignorância.
O
terceiro elemento que torna o diálogo impossível é a debilidade mental. Existem pessoas que, por diversas razões,
inclusive por deficiências psicológicas, são incapazes de compreender
determinados raciocínios e determinadas sentenças. A sua capacidade de
entendimento é muito pequena e, por mais que alguém tente explicitar bem o seu
pensamento, essas pessoas são incapazes de compreender o que o outro fala. Tais
pessoas, de um modo geral, não podem ser culpabilizadas por esse comportamento,
uma vez que tal situação não depende da simples vontade ou do simples querer. É
algo bem mais complexo do que se pensa.
Geralmente, nas instituições,
existem muitas dessas pessoas ocupando cargos de gestão e de direção. E são
colocadas ali de propósito: para que não entendam nada e, não entendendo,
deixem as coisas como estão. Por serem débeis mentais a única coisa que sabem
fazer é defender com unhas e dentes a instituição e o status quo. O diálogo com
tais pessoas é impossível. E as instituições gostam disso porque têm nessas
pessoas defensores ferrenhos e não precisam enfrentar diretamente o grande
público. O gestor débil mental é o “para-raios” que captura e desvia para o
nada toda possível investida contra a instituição.
Diante
desta situação de impossibilidade de diálogo, o que podemos fazer? Antes de
tudo é preciso silenciar, mas sem
ceder à tentação de sucumbir à arrogância, à ignorância e à debilidade. Existem
pessoas com as quais é inútil tentar dialogar. Seria perda de tempo, ou, como
diz um ditado napolitano, “dar banho em porco: perde-se tempo, água e sabão”. O
silêncio, porém, não deve ser sinônimo de omissão. Terá que ser um silêncio
ativo que leve a outra pessoa a perceber que a atitude de calar-se é um ato de
rebeldia e de protesto diante do que está acontecendo. Lembro-me aqui do
silêncio dos torturados diante dos seus algozes, do silêncio de Cristo diante
de Herodes e de Pilatos.
Às
vezes é preciso silenciar para tentar salvar uma boa convivência. Viver num permanente conflito com determinadas
pessoas nem sempre é sadio e agradável. Tal atitude gera grandes tensões,
provoca doenças e não resolve nada. É claro que, muitas vezes, será preciso
enfrentar o conflito para não sermos omissos e para que o nosso silêncio não
represente uma conformação com a injustiça e a maldade. Mas, dependendo do
caso, a melhor resposta é aquela que não se dá. O melhor diálogo é recusar-se a
responder às provocações de determinadas pessoas.
Uma
terceira atitude, diante da impossibilidade do diálogo, é ficar sempre atento
às possíveis brechas que podem
aparecer e oferecer a oportunidade de iniciar um diálogo. Muitas vezes criam-se
situações que podem ser uma ocasião para dialogar. A vida sempre tem as suas
surpresas. Por mais que alguém seja intransigente, de repente, a vida se lhe
apresenta com algumas lições e alguns desafios, obrigando-a a buscar o diálogo
com os outros.
Por
fim, uma quarta atitude seria aquela de manter-se
sempre aberto e vigilante. Antes
de tudo para verificar se a arrogância, a ignorância e a debilidade não estão
dentro de nós mesmos. Infelizmente temos sempre a tendência de achar que o
problema está no outro ou nos outros. Com isso nos recusamos a olhar para
dentro de nós mesmos. E, com frequência, pode acontecer que a dificuldade para
dialogar esteja mais em nós do que nos outros. Além disso, a abertura e a
vigilância nos permitem viver antenados, ou seja, atentos ao que acontece ao
nosso redor, buscando sempre uma ocasião para dialogar. E quantas vezes
perdemos a chance de iniciar o diálogo porque não fomos capazes de perceber as
chances que se apresentaram a nós; porque nos fechamos em nós mesmos e não
descobrimos tantas oportunidades que tivemos para “puxar uma boa conversa”.
Tudo
isso poderia ser resumido numa frase: para
dialogar é preciso amar. “O diálogo é intersubjetividade, é, por isso
mesmo, ‘situado e datado’. Se não há um profundo amor ao homem e ao mundo, não
há diálogo [...]. Porque o amor é ato de coragem, nunca de medo, é compromisso
assumido com o homem concreto no mundo e com o mundo [...]. Se não amo o mundo,
se não amo a vida, se não amo o homem oprimido e vencido, não posso dialogar”
(Paulo FREIRE). E parece-me que a falta de amor é a razão principal da falta de
diálogo no mundo de hoje. Por trás da falta de amor esconde-se a arrogância, a
ignorância e também certas debilidades que atravancam o diálogo. A falta de
amor gera a desesperança e a crença de que é inútil dialogar. “Se os sujeitos
do diálogo nada esperam do seu quefazer, já não há diálogo. Seu encontro é
vazio e estéril, burocrático e fastidioso” (Paulo FREIRE).