segunda-feira, 17 de novembro de 2014

Atualidade política


Oposição de palanque

José Lisboa Moreira de Oliveira
Filósofo, teólogo, escritor e professor universitário

            No Brasil, atualmente, não temos oposição política séria. O que temos é uma oposição de palanque que não faz política no sentido verdadeiro da expressão, mas apenas barulho, correndo atrás de “escândalos”, como urubu atrás de carniça. Uma oposição sedenta de exibicionismo e dos holofotes da mídia, fazendo puro sensacionalismo.

            Oposição séria faz política, entendida como busca do bem comum, dos cidadãos e das cidadãs de uma nação. Já na Grécia antiga a política (politichè) era a arte de cuidar bem dos interesses da polis, ou seja, da cidade, o que significava cuidar bem do bem das pessoas que compunham as cidades-estados gregas. Neste sentido o conceito de política cultivado pelos gregos se aproxima bastante da visão romana, que falava da “res publica” (origem da palavra “república), isto é, da “coisa pública”, daquilo que é do interesse de todas as pessoas. Salvaguardadas as devidas proporções, pois sabemos o que gregos e romanos aprontaram, é possível afirmar que, tendo presente a origem da política e da república, ser político ou fazer política é um direito e um dever de todo cidadão ou cidadã. Fazer política é engajar-se e comprometer-se com projetos sérios, críveis e factíveis, em favor de todas as pessoas. Não é subir em palanques e tribunas para falar bonito, especialmente para criar sensacionalismo e pretender, com isso, angariar votos para si mesmo ou para o próprio partido.

            No Brasil, atualmente e com as devidas exceções, faz-se oposição por oposição. Ser oposição é sinônimo de atuação para aniquilar o partido adversário, independentemente de saber se isso vai contribuir ou não para o bem das cidadãs e dos cidadãos. Fazer oposição, especialmente para os partidos que representam as elites brasileiras e seus interesses, é colocar-se contra de qualquer jeito, de modo a criar sérios entraves para o partido (ou partidos) que está no poder. Os interesses da nação, do povo, ficam em segundo plano ou até mesmo não são considerados.

            A situação é ainda muito mais grave ao percebermos que os que atualmente fazem oposição política são quase todos pessoas sem credibilidade. Também os partidos de oposição, com raríssimas exceções, são partidos desacreditados. Quem, no Brasil, está na oposição política? Em primeiro lugar estão políticos e partidos que representam não o povo, e seus interesses, mas a elite brasileira. São políticos e partidos que simbolizam o que há de mais nojento na política brasileira. O PSDB, por exemplo, tenta fugir do rótulo de partido conservador e atrasado, mas, nas últimas eleições, com a candidatura de Aécio Neves, atraiu os eleitores mais retrógados, preconceituosos, e discriminadores. Ficou visível a identificação desses últimos com o partido. E, em nenhum momento da campanha, o PSDB se manifestou de maneira clara e decisiva contra determinados comportamentos e atitudes, como, por exemplo, o preconceito contra os nordestinos. As manifestações eram lacônicas e ambíguas, visando explicitamente não espantar os eleitores ultraconservadores e de direita. Nas aparências o PSDB se apresenta como partido social e democrático, mas, na prática, comporta-se como truculento e viciado, a ponto de atrair certos tipos de eleitores.

            Na oposição estão também todos os partidos que se intitulam “de esquerda”. Mas, além de divididos e com um discurso ultrapassado, seguem a mesma lógica da oposição por oposição. Recusam-se a participar do jogo democrático e terminam por não ter uma incidência significativa sobre a “res publica”. Falta a esses partidos muita dose de realismo e de capacidade para entender que política não é o mesmo que angelismo e que não existem decisões totalmente puras e isentas de ambiguidades. Participar implica, pois, aceitar a negociação e o diálogo, visando antes de tudo a democracia e o bem do povo. Muitas vezes é preferível ceder do que ser intransigente, puritano e, com isso, deixar de contribuir mais significativamente.

            Convém recordar aqui um elemento da Psicologia: como em outra situações também na política os semelhantes se atraem. A sabedoria popular rural já nos ensina isso a bastante tempo, quando afirma que “a vaca pintada sempre procura uma camarada”. Assim sendo, os atuais oposicionistas e seus partidos atraem os seus semelhantes. Se a oposição é uma oposição puramente de palanque, acreditando que estamos sempre em época de eleições, é claro que os seus simpatizantes vão ser pessoas do mesmo estilo. Pessoas que confundem política com politicagem, com jogo sujo, com “o quanto pior, melhor”.

            O que acabo de dizer ficou bem visível no retorno teatral de Aécio Neves ao Senado, após ser derrotado nas eleições presidenciais. Seu retorno foi marcado pelo tom rancoroso, arrogante, espalhafatoso, de candidato derrotado e fracassado que não aceitou as regras da democracia representativa, achando que a diferença de mais de três milhões de votos é uma bobagem. Ao prometer, em suas encenações teatrais (naquilo que Mino Carta chamou de “ópera bufa”), que faria oposição sistemática a Dilma e ao PT, Aécio, porta-voz do PSDB, de seus aliados e de seus simpatizantes da direita ultraconservadora, declarou explicitamente que ele e os que ele representa não se importam com a “res publica”.

            Ficou bem explícito na “ópera bufa” de Aécio Neves que a mentalidade da casa-grande ainda prevalece no âmbito das elites brasileiras, que continuam tratando os demais brasileiros como meros habitantes de uma senzala. Quem se opôs a tal visão no passado foi chamado de comunista. Agora, a moda é acusar de serem “bolivarianos” aqueles que resistem em aceitar o jogo sujo dessas elites. Hoje – diz Mino Carta (Carta Capital, 12/11/14, p. 20), a palavra mofada – comunismo – é substituída por “bolivariano”.

            E o pior de tudo – continua Mino Carta – é que, entre aqueles que enxergam “bolivarianos de tocaia” por toda parte, estão pretensos intelectuais, artistas, jornalistas e até magistrados. “O besteirol anda solto a serviço do mofado elitismo golpista e exibe o atraso cultural do País”, diz enfaticamente Mino (ibidem). É como se voltássemos a crer que comunistas devoram criancinhas. Isso tudo poderia ser uma piada se não fosse tão trágico. Poderia se admitir isso de algumas pessoas, mas não de quem frequenta universidades, ocupa suas cátedras ou dos que se autoproclamam “formadores de opinião pública”.

            A quase totalidade da oposição é formada de hipócritas e ama cultivar a hipocrisia. É incapaz de olhar para trás e de ver o estrago que já causou ao país no passado. Faz discurso demagógico, mas “na prática a teoria é outra”. Ainda pensa que somos todos idiotas. Tudo isso, e mais outras coisas, coloca necessariamente a oposição na cesta do conservadorismo e da direita. Uma oposição barulhenta, formada por senhores e poucas madames que ainda tratam o Brasil como uma senzala fustigada pela casa-grande. Como no passado, ficam furiosos e querem fustigar os que não aceitam mais ficar na senzala, a serviço desses senhores das elites. A reação histérica de alguns representantes dessas elites à legítima e democrática eleição de Dilma Rousseff revelou claramente essa mentalidade escravocrata, coronelista e golpista que afeta a maioria da oposição e dos que a ela se aliam. Não há como não dar razão a José Saramago, o qual, numa entrevista a um jornal, em 25/10/1995, fez a seguinte afirmação: “Estamos cada vez mais cegos, porque cada vez menos queremos ver. Todos nós somos cegos da Razão”.

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