domingo, 2 de novembro de 2014

Após as eleições


Por que Dilma foi reeleita?

José Lisboa Moreira de Oliveira
Filósofo, teólogo, escritor e professor universitário

            Assentada a poeira das eleições e acalmados os ânimos acirrados, vale uma reflexão mais racional. A pergunta que dá título ao presente artigo pode parecer simplista e a resposta também poderia parecer óbvia. Mas, na verdade, não é assim. Se fôssemos seguir a lógica simplista se diria, de imediato, que Dilma ganhou porque a maioria dos brasileiros preferiu assim. Embora isso seja verdade, cabe fazer uma análise mais profunda do acontecimento, uma vez que isso é bom para a democracia.

            Dilma, o Partido dos Trabalhadores (PT) e seus aliados venceram as eleições para a Presidência da República porque nenhum outro partido foi capaz de apresentar uma alternativa mais séria e mais ousada. Nenhum outro partido foi capaz de apresentar um projeto que, na prática, fosse viável e factível. Com todas as deficiências que conhecemos, o projeto do PT, de Lula e de Dilma é o único que, nos últimos doze anos, vem respondendo ao grande desafio de conciliar desenvolvimento e distribuição de renda. Quem tem boa memória e honestidade intelectual, capaz de fazer análise crítica da realidade, não poderá deixar de admitir quanto o Brasil melhorou de 2002 para cá.

Apenas um exemplo bem simples para ilustrar o que estou dizendo. Dias atrás, bem antes do segundo turno das eleições, conversava com uma senhora muito simples, mas de uma grande inteligência e capacidade aguçada de análise crítica. Coisas que faltam em muitos “intelectuais”! Ela afirmava categoricamente que a vida do povo tinha melhorado com os governos de Dilma e Lula. Quis insistir no assunto e pedi que ela me desse um exemplo de que o Brasil tinha melhorado nos últimos doze anos. E ela, sem pestanejar ou gaguejar, me respondeu categoricamente: “Há um bom tempo ninguém mais passa na porta da minha casa para pedir comida ou esmola”.

O exemplo é bem simples, mas clareia bastante o que estou querendo dizer. O projeto do PT e seus aliados, que Lula e Dilma coordenaram nos últimos doze anos, não é perfeito e nem poderia ser, pois não há, no campo da política, nenhum projeto com essa característica, mas é inegável a sua contribuição para a melhoria significativa do nosso país. Querer negar isso é tapar o sol com a peneira e viver fora da realidade, na ilusão. E porque os demais partidos foram incapazes de apresentar projetos sérios que superassem os do PT e de seus aliados e realmente convencessem a população, Dilma venceu as eleições e foi reeleita.

Vejamos rapidamente os outros projetos. O do PSDB, apoiado pelo DEM (ex-PFL, ex-PDS, ex-Arena, ex-UDN, partido da ditadura de 1964) e por alguns nanicos, já conhecemos o bastante. Além de ter leiloado o Brasil no período em que governou o país, ser campeão da corrupção, esse projeto reuniu o que há de mais asqueroso e nojento na política brasileira. Mentes inteligentes e pessoas éticas sabem disso e jamais votariam numa coligação tão representativa da banda podre da elite brasileira e dos setores mais retrógados que há quinhentos anos massacram os pobres e os pequenos desse nosso país.

Os partidos que ainda se autodenominam “de esquerda” (PSOL, PCO, PSTU, PCB) foram incapazes de se unir para formar uma alternativa e para apresentar propostas sérias e viáveis. Com um discurso atrasado, que desconhece a queda do muro de Berlim e do socialismo real, não conseguiram convencer a população brasileira e nem mesmo arrastar para seu lado os “indignados” que foram às ruas no mês de junho do ano passado. Brigas, futricas internas, personalismos, falta de realismo e outros males impediram a possibilidade de uma alternativa real que desse ao país a oportunidade de mudar. Se as esquerdas realmente tivessem se organizado e tivessem se unido, teríamos realmente uma alternativa para o futuro do país. Mas não foi o que aconteceu.

Quanto ao PSB, partido com uma longa tradição democrática e de muita luta, sua proposta não foi original. Era um plágio remendado do que o PT e seus aliados já vinham realizando. Não tinha novidades significativas a apresentar para os eleitores. O povo logo percebeu. E preferiu o original, renegando o clone remendado. Esse partido criou a ilusão em torno de uma figura mítica, Eduardo Campos, e se esqueceu de que tinha sido amparado e projetado até pouco tempo atrás pela sua ligação com o Partido dos Trabalhadores. Esqueceu-se de que essa era a sua fragilidade. Ao atacar o PT apresentou-se ao povo brasileiro como partido oportunista e traidor. E a cultura brasileira ainda não perdoa oportunismo e traição, mesmo que seja em favor de uma nobre causa.

Com a morte de Eduardo Campos a proposta do partido foi detonada pela imposição do personalismo de Marina Silva. Essa, ícone da incapacidade de agregação – já que num longo período de tempo não conseguiu atrair um número suficiente de eleitores para formar um partido – levou o PSB ao naufrágio. E, no segundo turno das eleições, ao se vender ao projeto do PSDB, Marina revelou sua face perversa, ambígua, antiética e levou consigo o partido que representava. Ficou evidente para os eleitores éticos do PSB que a proposta não era verdadeira e nem real; que o partido tinha se rendido a Marina Silva e traído a sua história de luta e a sua tradição democrática.

Os demais partidinhos que apresentaram candidatos não tinham propostas sérias, viáveis e reais. O Partido Verde, por exemplo, com a candidatura de Marina Silva, já tinha perdido a credibilidade nas eleições de 2010. E, ao apoiar Aécio Neves, no segundo turno de 2014, demostrou sua irresponsabilidade e sua falta de ética, deixando transparecer que a “sustentabilidade” por ele pregada é aquela das grandes empresas e das multinacionais que, hoje, querem ganhar muito dinheiro com o “discurso do verde”. Os demais, quase todos representativos da ultradireita, preconceituosos, racistas, homofóbicos, não tinham propostas sérias e nem credibilidade suficiente para mobilizar a população brasileira.

Restou, portanto, o projeto do PT e seus aliados que, apesar da perseguição desonesta, antiética, constante, sistemática, cruel e injusta da grande mídia, ainda convenceu a população. Apesar de suas fragilidades – que apontarei em outra ocasião – foi aquele que conseguiu convencer a maioria dos eleitores e das eleitoras.

Estou convencido de que a alternância no poder é algo sadio para a democracia. Mas quando os partidos são incapazes de apresentar alternativas sérias, viáveis, éticas, factíveis, só resta à população optar pelo que ainda há de melhor. Mesmo que o melhor seja sinônimo de continuidade. E a proposta do PT ainda foi capaz de provar que era a melhor de todas. Espero que os partidos de esquerda aprendam a lição, deixem de lado os personalismos e as ambições, e sejam capazes de oferecer ao povo brasileiro uma alternativa séria e viável nos próximos anos. Mas, para que isso aconteça, terão que sair da ilusão, não negar o óbvio, unir-se numa grande frente, de modo a angariar a simpatia das eleitoras e dos eleitores brasileiros.

Enquanto isso não acontecer, só contribuirão para a polarização das eleições, com o risco sério de que a face nojenta da política brasileira, hoje representada pelo PSDB e seus aliados, possa de novo tomar o poder. Quanto ao PSB, partido tradicionalmente de esquerda, terá que se redimir, admitindo publicamente que seu apoio à candidatura de Aécio Neves foi uma traição dos ideais democráticos, e pedir perdão ao povo brasileiro. Mas para que isso aconteça será indispensável expurgar de seus quadros a figura ambígua e desacreditada de Marina Silva. Se ela permanecer no partido, sua credibilidade terá chegado ao fim. Não há outro caminho, não há outra alternativa.

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Para ver meus artigos sobre temas ligados à religião e ao cristianismo acesse o blog: http://lisboa-ochamado.blogspot.com

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

                                                                                                                 

Um comentário:

  1. Excelente análise a propósito das recentes eleições presidenciais. Em particular, gostei da descrição da farsa que é Marina Silva.

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