Por que Dilma foi reeleita?
José Lisboa Moreira de Oliveira
Filósofo, teólogo, escritor e
professor universitário
Assentada a poeira das eleições e
acalmados os ânimos acirrados, vale uma reflexão mais racional. A pergunta que
dá título ao presente artigo pode parecer simplista e a resposta também poderia
parecer óbvia. Mas, na verdade, não é assim. Se fôssemos seguir a lógica
simplista se diria, de imediato, que Dilma ganhou porque a maioria dos
brasileiros preferiu assim. Embora isso seja verdade, cabe fazer uma análise
mais profunda do acontecimento, uma vez que isso é bom para a democracia.
Dilma, o Partido dos Trabalhadores
(PT) e seus aliados venceram as eleições para a Presidência da República porque
nenhum outro partido foi capaz de apresentar uma alternativa mais séria e mais
ousada. Nenhum outro partido foi capaz de apresentar um projeto que, na
prática, fosse viável e factível. Com todas as deficiências que conhecemos, o
projeto do PT, de Lula e de Dilma é o único que, nos últimos doze anos, vem
respondendo ao grande desafio de conciliar desenvolvimento e distribuição de
renda. Quem tem boa memória e honestidade intelectual, capaz de fazer análise
crítica da realidade, não poderá deixar de admitir quanto o Brasil melhorou de
2002 para cá.
Apenas um exemplo bem simples para ilustrar o que estou
dizendo. Dias atrás, bem antes do segundo turno das eleições, conversava com
uma senhora muito simples, mas de uma grande inteligência e capacidade aguçada
de análise crítica. Coisas que faltam em muitos “intelectuais”! Ela afirmava
categoricamente que a vida do povo tinha melhorado com os governos de Dilma e
Lula. Quis insistir no assunto e pedi que ela me desse um exemplo de que o
Brasil tinha melhorado nos últimos doze anos. E ela, sem pestanejar ou gaguejar,
me respondeu categoricamente: “Há um bom tempo ninguém mais passa na porta da
minha casa para pedir comida ou esmola”.
O exemplo é bem simples, mas clareia bastante o que estou
querendo dizer. O projeto do PT e seus aliados, que Lula e Dilma coordenaram
nos últimos doze anos, não é perfeito
e nem poderia ser, pois não há, no campo da política, nenhum projeto com essa
característica, mas é inegável a sua contribuição para a melhoria significativa
do nosso país. Querer negar isso é tapar o sol com a peneira e viver fora da
realidade, na ilusão. E porque os demais partidos foram incapazes de apresentar
projetos sérios que superassem os do PT e de seus aliados e realmente
convencessem a população, Dilma venceu as eleições e foi reeleita.
Vejamos rapidamente os outros
projetos. O do PSDB, apoiado pelo DEM (ex-PFL, ex-PDS, ex-Arena, ex-UDN, partido
da ditadura de 1964) e por alguns nanicos, já conhecemos o bastante. Além de
ter leiloado o Brasil no período em que governou o país, ser campeão da
corrupção, esse projeto reuniu o que há de mais asqueroso e nojento na política
brasileira. Mentes inteligentes e pessoas éticas sabem disso e jamais votariam
numa coligação tão representativa da banda podre da elite brasileira e dos
setores mais retrógados que há quinhentos anos massacram os pobres e os
pequenos desse nosso país.
Os partidos que ainda se autodenominam “de esquerda” (PSOL,
PCO, PSTU, PCB) foram incapazes de se
unir para formar uma alternativa e para apresentar propostas sérias e viáveis.
Com um discurso atrasado, que
desconhece a queda do muro de Berlim e do socialismo real, não conseguiram
convencer a população brasileira e nem mesmo arrastar para seu lado os
“indignados” que foram às ruas no mês de junho do ano passado. Brigas, futricas
internas, personalismos, falta de realismo e outros males impediram a
possibilidade de uma alternativa real que desse ao país a oportunidade de
mudar. Se as esquerdas realmente tivessem se organizado e tivessem se unido,
teríamos realmente uma alternativa para o futuro do país. Mas não foi o que
aconteceu.
Quanto ao PSB, partido com uma longa tradição democrática e
de muita luta, sua proposta não foi original. Era um plágio remendado do que o
PT e seus aliados já vinham realizando. Não tinha novidades significativas a
apresentar para os eleitores. O povo logo percebeu. E preferiu o original,
renegando o clone remendado. Esse partido criou a ilusão em torno de uma figura
mítica, Eduardo Campos, e se esqueceu de que tinha sido amparado e projetado
até pouco tempo atrás pela sua ligação com o Partido dos Trabalhadores. Esqueceu-se
de que essa era a sua fragilidade. Ao atacar o PT apresentou-se ao povo
brasileiro como partido oportunista e traidor. E a cultura brasileira ainda não
perdoa oportunismo e traição, mesmo que seja em favor de uma nobre causa.
Com a morte de Eduardo Campos a proposta do partido foi
detonada pela imposição do personalismo de Marina Silva. Essa, ícone da
incapacidade de agregação – já que num longo período de tempo não conseguiu
atrair um número suficiente de eleitores para formar um partido – levou o PSB
ao naufrágio. E, no segundo turno das eleições, ao se vender ao projeto do
PSDB, Marina revelou sua face perversa, ambígua, antiética e levou consigo o
partido que representava. Ficou evidente para os eleitores éticos do PSB que a
proposta não era verdadeira e nem real; que o partido tinha se rendido a Marina
Silva e traído a sua história de luta e a sua tradição democrática.
Os demais partidinhos
que apresentaram candidatos não tinham propostas sérias, viáveis e reais. O
Partido Verde, por exemplo, com a candidatura de Marina Silva, já tinha perdido
a credibilidade nas eleições de 2010. E, ao apoiar Aécio Neves, no segundo
turno de 2014, demostrou sua irresponsabilidade e sua falta de ética, deixando
transparecer que a “sustentabilidade” por ele pregada é aquela das grandes
empresas e das multinacionais que, hoje, querem ganhar muito dinheiro com o “discurso
do verde”. Os demais, quase todos representativos da ultradireita, preconceituosos, racistas, homofóbicos, não tinham
propostas sérias e nem credibilidade suficiente para mobilizar a população
brasileira.
Restou, portanto, o projeto do PT e seus aliados que, apesar
da perseguição desonesta, antiética, constante, sistemática, cruel e injusta da
grande mídia, ainda convenceu a população. Apesar de suas fragilidades – que
apontarei em outra ocasião – foi aquele que conseguiu convencer a maioria dos
eleitores e das eleitoras.
Estou convencido de que a alternância
no poder é algo sadio para a democracia. Mas quando os partidos são incapazes
de apresentar alternativas sérias, viáveis, éticas, factíveis, só resta à
população optar pelo que ainda há de melhor. Mesmo que o melhor seja sinônimo
de continuidade. E a proposta do PT ainda foi capaz de provar que era a melhor
de todas. Espero que os partidos de esquerda aprendam a lição, deixem de lado
os personalismos e as ambições, e sejam capazes de oferecer ao povo brasileiro
uma alternativa séria e viável nos próximos anos. Mas, para que isso aconteça,
terão que sair da ilusão, não negar o óbvio, unir-se numa grande frente, de
modo a angariar a simpatia das eleitoras e dos eleitores brasileiros.
Enquanto isso não acontecer, só contribuirão para a polarização das eleições, com o risco
sério de que a face nojenta da política brasileira, hoje representada pelo PSDB
e seus aliados, possa de novo tomar o poder. Quanto ao PSB, partido
tradicionalmente de esquerda, terá que se redimir, admitindo publicamente que
seu apoio à candidatura de Aécio Neves foi uma traição dos ideais democráticos,
e pedir perdão ao povo brasileiro. Mas para que isso aconteça será
indispensável expurgar de seus quadros a figura ambígua e desacreditada de
Marina Silva. Se ela permanecer no partido, sua credibilidade terá chegado ao
fim. Não há outro caminho, não há outra alternativa.
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Para ver meus artigos sobre temas
ligados à religião e ao cristianismo acesse o blog: http://lisboa-ochamado.blogspot.com
Excelente análise a propósito das recentes eleições presidenciais. Em particular, gostei da descrição da farsa que é Marina Silva.
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